Que a predominância e a sofisticação dos dispositivos móveis transformaram a nossa vida cotidiana, isso não é novidade. Há poucas décadas, os filmes só podiam ser vistos nos cinemas ou em casa. Mapas eram objetos físicos que você guardava no porta-luvas do carro, e o chat de vídeo era coisa de ficção científica.
Agora quem não consegue baixar Netflix, Google Maps e Zoom em seu telefone é praticamente um ludita. No entanto, conforme os dispositivos wireless se tornam mais difundidos e evoluídos, os aparelhos exigirão cada vez mais largura de banda, qualidade e disponibilidade de redes – e é exatamente isso que o 5G foi projetado para oferecer.
5G, a quinta geração de rede móvel, é a chave para a revolução digital, fornecendo a infraestrutura que dará suporte à recente explosão de dispositivos conectados. Com a expansão da implantação do 5G, as experiências do usuário serão melhoradas drasticamente, e as empresas terão novas oportunidades de crescimento e colaboração em todos os setores.
Para compreendermos melhor essas possibilidades, vejamos em mais detalhes como o 5G funciona, quais são as suas capacidades e como ele vem sendo desenvolvido e implantado.
Evolução da tecnologia móvel e sua arquitetura
A primeira geração de redes surgiu na década de 1980, com o 1G, permitindo a comunicação de voz móvel analógica. Na década de 1990, o 2G deu origem às comunicações de voz digitais, levando os telefones celulares a serem utilizados por bilhões de pessoas e possibilitando as primeiras comunicações de texto.
Nos anos 2000, o 3G mudou o foco para a transmissão de dados, trazendo a internet sem fio para smartphones e tornando as mensagens de texto onipresentes em dispositivos móveis. Na última década, o 4G possibilitou a ampla adoção de banda larga móvel e viabilizou:
- a TV móvel de alta definição;
- a videoconferência; e
- o surgimento da Internet das Coisas (Internet of Things – IoT).
A ampla adoção do 5G, por sua vez, dará início à era da IoT massiva, a comunicações ultraconfiáveis de baixa latência e à largura de banda móvel extrema.
Tais avanços entres as gerações de rede foram possíveis devido às diferenças de arquitetura e tecnologia. Os sistemas 3G eram baseados em CDMA (Code Division Multiple Access), uma tecnologia para celulares que atribui um código a cada pacote de dados ou voz, o embaralha em um vasto espectro de frequência e reconstrói o código na extremidade receptora, permitindo vários usuários em uma mesma frequência.
Uma tecnologia diferente, a OFDM (Orthogonal Frequency-Division Multiplexing), foi aplicada ao 4G para melhorar o rendimento. Ela consiste em dividir a largura de banda em subcanais sobrepostos, que são organizados ortogonalmente a fim de evitar interferências entre si.
Com o 5G, o OFDM é aprimorado com NR (New Radio), uma nova tecnologia de acesso de rádio para redes celulares. Com o NR, as ondas de rádio que convertem voz em sinais digitais e enviam/recebem dados são enviadas em duas faixas de frequência: FR1 e FR2.
O FR1 usa frequências de 6 GHz a mais baixas. Isso inclui baixas frequências de banda inferiores a 1 GHz, que são utilizadas para radiodifusão e televisão, bem como o espectro de banda média normalmente adotado por redes móveis e Wi-Fi. Já o FR2 inclui bandas na faixa de comprimento de onda milimétrica (mmWave), resultando em grandes melhorias na largura de banda.
Ao permitir as duas faixas de frequência, o NR combina a extensa conectividade de bandas médias e baixas com as taxas de dados muito altas habilitadas pelo mmWave.
Benefícios do 5G sobre 4G
A otimização da arquitetura legada e a incorporação de novas tecnologias criam vantagens consideráveis para o 5G em relação ao antecessor. Embora as redes 4G sejam aproximadamente quinhetas vezes mais rápidas do que as redes 3G, suas taxas de transmissão são medidas em Mbps – a expansão de 5G no espectro mmWave permite taxas de dados de pico de até 20 Gbps.
O 5G também reduzirá em dez vezes a latência de ponta a ponta e permitirá um aumento de cem vezes na capacidade de tráfego. Por fim, uma plataforma mais unificada permitirá mais diversidade nos modelos de implantação e novas formas de interconexão.
Esses benefícios resultarão em mudanças dramáticas na maneira como os usuários e as empresas interagem com a tecnologia. A cobertura será melhor, as redes serão mais confiáveis, e os picos de usuários serão tratados com muito mais facilidade, resultando em uma experiência de usuário mais uniforme.
As empresas poderão dimensionar suas iniciativas de tecnologia e implantar novos modelos de negócios, alimentados pela comunicação M2M (machine-to-machine) e pela capacidade de processar grandes quantidades de dados.
Impacto econômico e casos de uso de 5G
Um estudo recente da Qualcomm constatou que a cadeia de valor do 5G poderia sustentar até 22,3 milhões de empregos e, em 2035, gerar cerca de até R$ 72,6 trilhões em bens e serviços. Isso porque o impacto do 5G vai muito além dos stakeholders tradicionais do mercado mobile, abrangendo várias indústrias.
Somente no setor de saúde, o monitoramento em tempo real, as transmissões de dados em grande escala e velocidades de download significativamente elevadas revolucionaram a medicina. Dispositivos IoT podem habilitar os profissionais de saúde a realizarem monitoramento remoto de pacientes, proporcionando melhores cuidados preventivos e diagnósticos mais precisos.
A transmissão de altas quantidades de dados em tempo real também pode sustentar planos de tratamento baseados em Inteligência Artificial feitos sob medida para pacientes específicos. A rápida transferência de grandes arquivos de imagem, como tomografias e ressonâncias magnéticas, pode reduzir o tempo de espera do paciente e permitir que os provedores atendam mais pessoas.
Em outros lugares, o 5G transformará a maneira como fazemos compras, viajamos, fabricamos e administramos nossas cidades. Isso permitirá que:
- varejistas incorporem a Realidade Aumentada e o pagamento via reconhecimento facial;
- companhias de transporte façam o redirecionamento dinâmico de tráfego e o monitorem em tempo real, reduzindo o congestionamento e aprimorando o tempo de resposta a emergências;
- fábricas utilizem soluções baseadas em Realidade Aumentada para solucionar problemas, diminuir custos decorrentes de quebras e detectar ineficiências operacionais.
Em outras palavras, as possibilidades que o 5G proporciona são infinitas e capazes de impactar diversas áreas.
Ecossistema de fornecedores 5G
Um ecossistema de 5G em evolução já está surgindo com fornecedores correndo para adotar essa tecnologia revolucionária. Samsung, LG e Motorola já vendem telefones compatíveis com 5G; o Google vem trabalhando em uma versão 5G do Pixel, e os iPhones 5G foram recentemente lançados.
Além disso, mais de 30 fabricantes de equipamentos, incluindo Panasonic, Nokia e Samsung, firmaram parceria com a Qualcomm em 2019 a fim de lançar o serviço wireless fixo, oferecendo às residências uma alternativa para fibra ótica, DSL ou internet a cabo.
Construir a infraestrutura para suportar o 5G é um empreendimento enorme que, na maioria das áreas, ainda é um trabalho em andamento. Nos Estados Unidos, as operadoras de celular criaram suas ofertas iniciais com base nas redes 4G e LTE (Long Term Evolution), pegando carona na infraestrutura existente. Embora isso pudesse aprimorar a conectividade, o resultado não chegou nem perto do que o 5G pode proporcionar em termos de velocidade.
Isso fez muitos acreditarem que o 5G é uma tecnologia exagerada. Contudo, à medida que operadoras de telecomunicações como T-Mobile, AT&T e Verizon começam a implantar suas próprias redes 5G em cada vez mais cidades, os usuários podem esperar por mais velocidade e disponibilidade.
RAN aberto: fomentando a adoção do 5G
Um dos desafios para a implementação do 5G são os custos associados à adoção. Talvez o maior deles seja a construção de uma rede wireless que seja RAN, ou redes de acesso via rádio. Em um RAN tradicional, o software é fortemente acoplado ao hardware proprietário, que, além de custar caro, não oferece suporte à interoperação entre fornecedores.
A RAN virtual reduziu alguns desses custos e acrescentou interoperabilidade, substituindo parte desse hardware por software proprietário, executado em servidores COTS (commercial off-the-shelf), que podem ser adquiridos de qualquer fornecedor de RAN.
O Open RAN leva isso um passo adiante, desacoplando completamente o hardware do software. Qualquer software pode ser executado no hardware, que pode ser adquirido e montado de qualquer fornecedor. Isso elimina a possibilidade de “lock-in” do fornecedor e torna a implementação mais modular, de modo a:
- reduzir os custos de implementação;
- aumentar a escalabilidade; e
- facilitar a participação do fornecedor em mercados globais.
Como resultado dessas reduções de custo, a Rakuten Mobile conseguiu alavancar a arquitetura Open RAN para lançar seu serviço 5G no Japão, adicionando a tecnologia aos planos já assinados pelos clientes sem taxas adicionais.
Isso não significa que o Open RAN seja livre de desafios. O uso de vários fornecedores e arquitetura white-box tem o potencial de reduzir os custos de implementação, mas pode dificultar de forma drástica a correção de problemas em uma rede.
Trabalhar com multifornecedores pode gerar, também, dores de cabeça ao abordar problemas de desempenho relacionados ao produto, solucioná-los e determinar quais provedores devem assumir a responsabilidade pelo ocorrido.
Abordar os desafios de comunicações do Open RAN exigirá padrões abertos – disponíveis publicamente e que facilitam a troca de dados entre empresas. Felizmente, a indústria já está se movendo nessa direção. O grupo Open RAN TIP foi formado em 2018 para promover a educação e implantação do Open RAN entre fornecedores, operadoras e startups. A ORAN Alliance lança software de código aberto, fornece suporte para testes e integração e publica especificações de RAN, e já reuniu mais de 160 fornecedores, operadoras e instituições de pesquisa de tecnologia móvel.
Tudo isso faz parte de um movimento tecnológico maior em direção a tecnologias abertas, não proprietárias. O uso de APIs – interfaces de programação que permitem que os aplicativos se comuniquem e interajam entre si – e software de código aberto é cada vez mais popular. Essa interoperabilidade de sistemas altamente diversificados permite mais inovação, menos desperdício e tempo de colocação no mercado mais rápido. Ao abrir sua infraestrutura, as operadoras de redes móveis estão permitindo que os clientes criem e implementem aplicativos na borda.
Edge Computing e 5G
Por maiores que sejam as promessas dos recursos do 5G, é evidente que ainda temos um longo caminho a percorrer para conhecer todo o seu potencial e implantá-lo em grande escala. Em parte, isso será alimentado pelo Edge Computing – uma filosofia de rede que traz a computação o mais próximo possível do usuário final.
Ao executar menos processos na nuvem ou em data warehouses e mais em dispositivos móveis, IoT ou servidores de Edge, os pacotes de dados não precisam viajar tanto de um ponto para outro. Essas viagens mais curtas aumentarão a capacidade do 5G de atingir a latência mais baixa possível e reduzir os custos, permitindo que as empresas enviem menos dados para a nuvem.
O Edge Computing não apenas permitirá que o 5G forneça latência ultrabaixa e torne prática a transmissão de alta quantidades de dados, mas também ajudará a sustentar a implantação do 5G. Como o Edge otimiza os recursos do 4G, ele pode viabilizar uma experiência mais próxima do 5G, possibilitando a desenvolvedores de aplicativos testar e escalar aplicativos 5G antes mesmo que as redes sejam implantadas em grande escala, trazendo recursos que impulsionarão a demanda por 5G, fornecendo uma motivação e tanto para que as telcos invistam e desenvolvam a infraestrutura 5G.
Como o 5G tem capacidades únicas, é impossível prever os avanços tecnológicos decorrentes de sua ampla adoção. No entanto, o Edge Computing acelerará a expansão, e, conforme as redes amadurecerem, a capacidade máxima do 5G será habilitada. Nosso próximo post desta série discutirá o panorama das redes 5G em todo o mundo, seus recursos e casos de uso já viabilizados.